Que água não nasce em torneira, todo mundo sabe, mas a maioria dos brasileiros desconhece de onde vem a água que abastece suas casas. De acordo com a Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (ABAS), a maior parte das pessoas ignora até mesmo o fato de que a água própria para o consumo humano é escassa no planeta. O abastecimento urbano provém do uso de fontes superficiais (reservatórios e cursos d’água) e/ou fontes subterrâneas (lençóis subterrâneos), sendo aquele o principal sistema utilizado em Barra, cidade ribeirinha do Médio São Francisco que capta água do Rio Grande para atender sua população.
Conhecer a evolução do sistema de abastecimento de água em Barra ajuda a entender um pouco a história do município, que recentemente completou 148 anos de emancipação política. Localizada no encontro do Rio Grande com o Rio São Francisco, a cidade foi palco de grande efervescência econômica entre o final do século XIX e início do século XX, quando esteve na rota do histórico Vapor Saldanha Marinho. A prosperidade financeira e a abundância de água, no entanto, nem sempre refletiam em condições confortáveis de vida para a população: até as primeiras décadas do século XX, para ter água em casa era necessário coletá-la diretamente do Rio Grande, sendo comum transportar baldes e latas por grandes distâncias e sem qualquer garantia sobre a sua qualidade. Mesmo para os endinheirados, a água chegava sem tratamento, trazida por aguadeiros ou através de ligações diretas entre as residências e o rio.
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No final da década de 40, especialmente no período do pós-guerra, o então Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), atualmente Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), passou a atuar para desenvolver os serviços de saúde e saneamento no interior do país. Nessa época, foram criados os SAAEs – Serviço Autônomo de Água e Esgoto, em sua maioria advindos de programas de saneamento do Ministério da Saúde. Foi o caso do SAAE de Barra, em funcionamento desde 1957 e que até hoje é o órgão responsável pelos serviços públicos de abastecimento de água e tratamento de esgoto no município. Ainda nos anos 1960, o SAAE, o SESP e a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF) instalaram vários chafarizes na cidade, visando facilitar o acesso à água para a população – alguns desses chafarizes permanecem em avenidas e bairros de Barra e são parte do seu patrimônio histórico.
Em 1999, o convênio com a FUNASA foi rompido e o SAAE desde então é uma autarquia administrada diretamente pela Prefeitura Municipal. A entidade possui receita própria, proveniente do recebimento de tarifas de água e esgoto pagas pelos usuários, de acordo com o consumo de cada imóvel. Os recursos arrecadados são destinados ao pagamento de despesas, manutenção dos sistemas de água e esgoto e novos investimentos para a ampliação desses sistemas. Alberto Pereira Barbosa, atual diretor geral do SAAE de Barra, aponta que a sustentabilidade financeira é um dos principais desafios da instituição, que sofre com tarifas defasadas e não possui hidrômetros suficientes: “O SAAE busca incitar os usuários sobre o valor da água e o consumo regulado por hidrômetros é um fator que contribui para a noção de responsabilidade dos consumidores. É uma medida muito importante para evitar o desperdício”, avalia.
A história de Alberto é fortemente atravessada pelas águas do Rio São Francisco: natural de Pilão Arcado, ele e a família foram deslocados compulsoriamente para a construção do lago de Sobradinho, na década de 1970. Alberto ainda era adolescente e vivia com seis irmãos quando os pais escolheram a Cidade da Barra como o local para a nova morada, em 1977. Pedreiro de ofício, em 1990 fez concurso público para ingressar no SAAE, onde começou como ajudante de operador de bombas até ser promovido a técnico de laboratório, função que exerceu por 22 anos antes do atual cargo de diretor geral.
O escritório do SAAE onde Alberto trabalha fica no centro de Barra, no mesmo local da caixa d’água construída na década de 1950 e utilizada no primeiro sistema de água encanada da cidade. Até os anos 1980, a água era elevada da estação de tratamento (ETA) até a caixa e, a partir dela, a distribuição era feita por gravidade para as residências. Com capacidade para armazenar até 550 mil m³ de água, hoje o reservatório funciona como uma espécie de pulmão para o abastecimento do município: “Atualmente, o abastecimento das casas é feito através de bombeamento direto da ETA. Quando todas as casas estão abastecidas e as torneiras estão fechadas, para não gerar pressão sobre a rede, a água vai para a caixa d´água e ajuda a suprir o período do dia em que precisamos desligar as bombas”, explica o diretor geral. O bombeamento direto da estação funciona das 23h30 até às 3h30, enquanto a captação do Rio Grande é realizada 24 horas por dia através de dois conjuntos de motobombas flutuantes.
Entre a captação e a ETA, a água bruta percorre uma tubulação de 900 metros, até cair em uma câmera de carga onde tem início uma série de tratamentos que vão reduzir a concentração de poluentes de modo que não representem riscos para a saúde. A ETA de Barra possui 5 filtros russos de alta resistência, projetados por fluxo ascendente, e um reservatório onde ocorre a fluoretação e a cloração da água, ambos procedimentos obrigatórios pela legislação brasileira. O cloro porque possui eficiência comprovada no controle das doenças de veiculação hídrica e na inativação de microrganismos patogênicos e o flúor porque concorre para a prevenção de cárie dentária. O operador de bombas Edvaldo Vieira de Oliveira, que exerce a função há quase 5 anos, realiza um trabalho contínuo de conservação e vigilância: “Além de colocar os produtos necessários, realizamos a limpeza dos filtros a cada hora. Trabalhamos em regime de plantão para garantir que a água chegue com boa qualidade nas residências”, explica.
Na ETA também está localizado o laboratório onde são feitas as análises físico químicas e bacteriológicas da água, em parceria com a Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB). O químico tecnológico e Mestre em Química Inorgânica, Luiz Henrique Torres Cardoso, que trabalha no local, avalia que a Barra é privilegiada quanto às condições de abastecimento: “O Rio Grande, além de ter uma boa vazão, tem uma água de boa qualidade, que não necessita de grandes quantidades de agentes químicos para ser considerada potável. O pH da água do rio, ao contrário de outros lugares de captação, já está naturalmente dentro dos padrões exigidos pela legislação”, exemplifica. “Lembrando que quando a população faz a limpeza e a manutenção da sua caixa d’água, a água chega na torneira das casas com os padrões de qualidade mais elevados”, complementa.
Para Neire Santiago da Silva, que trabalha no SAAE desde 1976 e que durante 20 anos esteve à frente da direção geral do órgão, a principal demanda atualmente é pela ampliação do sistema: “Quando eu comecei a trabalhar aqui, não chegava a mil ligações, hoje são mais de 12 mil ligações só na sede. O Rio Grande nunca nos deixou sem água, porém em muitos lugares o abastecimento é intermitente em função da deterioração dos sistemas de captação e dos altos índices de desperdício. A cidade está crescendo e a ampliação é urgente”, pondera. Apesar dos constantes pedidos vindos de novos loteamentos e empreendimentos que surgem na cidade, o SAAE está com os serviços de extensão da rede suspensos até que se adquiram novos hidrômetros e se aumente a capacidade de captação do rio.
Em 2018, a Agência Nacional de Águas (ANA) lançou o aplicativo “Atlas Água e Esgoto”, que fornece informações detalhadas sobre a situação do saneamento básico em todos os municípios do país. O material, que está disponível para download gratuito, inclui alternativas técnicas para ampliação e adequação de tais sistemas, constituindo uma interessante ferramenta de educação ambiental. Dada a relevância da bacia do Rio São Francisco no cenário nacional e o crescimento acelerado do oeste baiano, conhecer a bacia do Rio Grande é de grande importância no contexto socioeconômico estadual e nacional.
Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Mariana Carvalho
Fotos: Kel Dourado