Que as paisagens interioranas há muito servem de substrato para a criação literária, autores como João Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e Cecília Meireles – para ficar apenas em alguns exemplos populares – não nos deixam mentir. E é na esteira dessa íntima relação entre literatura e ecologia que estão os versos do baiano Gicélio de Castro Dourado, geógrafo, educador e amante da caatinga. Nascido em Belo Campo, distrito do município de Lapão, na Bacia do Rio São Francisco, Gicélio escreve desde a adolescência e há 25 anos divide o ofício com o trabalho de professor no Colégio Estadual Justiniano de Castro Dourado, em sua cidade natal. A Mata Branca – nome dado à Caatinga pelos guaranis, em alusão à aparência da vegetação quando a água é escassa – faz parte das suas memórias, constitui o seu presente e está entre suas preocupações com as futuras gerações. “Escrevo para me comunicar, para expressar os dramas humanos a partir da minha realidade política, econômica e social. ‘A inefável memória’ é um poema que reverencia a riqueza desse bioma que é exclusivamente brasileiro e de grande importância simbólica para o nordeste do Brasil, mas que também vive sob constante ameaça”, explica o autor que, aos 61 anos, se define como um “colecionador de saudades”.
A INEFÁVEL MEMÓRIA
A caatinga desapareceu e pouco se fala da mata branca
Mas o seu cheiro continua inebriante dentro de mim
Seu espetacular renovar-se, depois de aparentemente morta, faz morada dentro de mim
Seu inebriante cheiro após as chuvas está sempre a exalar nas minhas narinas
O galo de campina está quase extinto
Mas seu canto de aquarela festeja dentro de mim
O cata pilão tornou-se raro
Mas sua súplica de mandar chuva, senhor Deus, está vivinha em mim
Barriguda
Angico
Pau d’arco
Umburana
Umbuzeiro
Pau ferro
Taipoca
Aroeira e tantas outras espécies se apossaram
dos poderes sobrenaturais da caipora.
Como um trovão dentro da mata e o seu eco acorrentado ao coração, tudo está vivinho; estalando de novo dentro de mim.
Estupendo é o que veio e foi e fica e vai e nunca se desliga da gente.
Senhor do perpétuo, quanta magia nos seres reais indizíveis!
(Gicélio de Castro Dourado)
Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Mariana Carvalho