A campanha “Eu viro carranca pra defender o Velho Chico”, após duas edições virtuais, retomou as atividades presenciais no último dia 3 de junho, data instituída Dia Nacional de Mobilização em Defesa do Rio São Francisco pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Em Ibotirama, sede do evento no Médio São Francisco, ao uso prudencial das máscaras de proteção, somaram-se coloridas máscaras em formato de carranca, símbolo de salvaguarda em várias culturas ribeirinhas.
As atividades tiveram início pela manhã no Centro Territorial de Educação Profissional (CETEP) Velho Chico, onde foram mobilizados aproximadamente 400 alunos dos cursos técnicos de Administração, Agropecuária e Informática, que saíram em caminhada até o cais da cidade com faixas em defesa da conservação do rio e mudas de árvores que foram doadas para a população. Carlos Henrique, professor de História da instituição, observou que os estudantes vêm de várias partes do Território Velho Chico: “além de Ibotirama, temos aqui alunos de Morpará, Muquém de São Francisco, Oliveira do Brejinho e Paratinga, todos ribeirinhos de uma geração que precisa estar comprometida com a renovação do pensamento sobre o rio e a manutenção dos seus recursos”, disse.
A estudante do curso de Agropecuária, Maria Luísa Domiciano, de 16 anos, conta que a produção de mudas e visitas técnicas ao aterro sanitário e à estação de tratamento de esgoto da cidade fizeram parte da programação semanal da escola, dedicada ao tema do Meio Ambiente: “sabemos que a defesa do rio e dos recursos naturais de forma geral precisa ser diária, mas datas simbólicas como esta ajudam a divulgar conhecimento e chamar atenção da população para o assunto”. No cais da cidade, totens educativos e interativos da campanha Vire Carranca esperavam pelos estudantes, com monitores guiando visitas que tratavam das características da Bacia do Rio São Francisco, dentre as quais fauna, flora e múltiplos usos.
Estudantes dos cursos de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), do campus Barra do Rio Grande, aderiram à campanha e levaram para a praça do evento stands preparados pelos graduandos com pesquisas sobre as principais doenças enfrentadas pelas culturas do maracujá, banana e tomate produzidas em Ibotirama, e uma apresentação da anatomia de animais domésticos, com peças construídas pelos universitários. O professor da UFOB, Jaime Honorato Junior, que coordenou a ação, celebrou a relação entre a campanha e a divulgação de conhecimento científico: “o objetivo é aproximar o conhecimento produzido na Universidade da população, sensibilizada a partir da pauta do rio São Francisco, mas que envolve também ciência, cultura e arte”.
A professora Cássia Macêdo, da escola Reino da Alegria, aproveitou a ocasião para visitar os totens educativos com alunos do Ensino Fundamental I e destacou a relevância das ações de educação ambiental: “as crianças vieram apreciar as atrações da campanha e são incentivadas a reconhecerem a importância do rio na nossa região e na formação da nossa identidade. As máscaras infantis de carranca foram um sucesso entre os pequenos”.
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A abertura oficial do evento contou com a presença de representantes do CBHSF, poder público e sociedade civil. O coordenador da CCR Médio São Francisco, Ednaldo Campos, ratificou o propósito da campanha Eu viro carranca para defender o Velho Chico, que em 2022 chega à sua nona edição consecutiva: “há décadas o São Francisco sofre com ações antrópicas que devastam suas matas ciliares, retiram exageradamente sua água e comprometem seus afluentes. O CBHSF, através da campanha, reforça o compromisso de promover a sensibilização para mudanças de valores e atitudes em comunidades da Bacia e integrar, de forma participativa e corresponsável, governo, sociedade e usuários de água”.
O prefeito de Ibotirama, Laércio Silva de Santana, celebrou a escolha da cidade para a realização do evento: “cada ibotiramense tem sua história com o rio, que é um elemento vivo do nosso cotidiano, trabalho e lazer. Convocamos toda a população para participar das atividades presenciais que serão desenvolvidas pelo Comitê durante o dia 3. Pelo São Francisco, eu viro carranca!”.
O representante do governo estadual, Jonas Paulo, em sua fala na cerimônia de abertura, lembrou ser filho de beiradeiros do rio São Francisco, em Alagoas, e destacou a importância da pauta da revitalização: “a revitalização do rio não é apenas física, mas da alma das pessoas, da cultura”. Jonas Paulo também defendeu a recuperação do Vapor São Salvador, que atualmente se encontra desativado, atracado ao cais de Ibotirama: “temos que reivindicar investimentos públicos que façam o São Salvador voltar a navegar no rio, promovendo cursos de educação ambiental e divulgando a história do rio São Francisco nas cidades ribeirinhas”.
A programação do evento seguiu com apresentações de músicos e poetas de Ibotirama e outras cidades da região, organizadas pela Fundação de Desenvolvimento Integrado do São Francisco (FUNDIFRAN). A indígena Betânia Tuxá, moradora do Assentamento Terra Indígena Tuxá, localizado a 12 km da sede de Ibotirama, declamou um poema escrito pela filha e se emocionou ao falar do rio: “minha história e a história do meu povo não podem ser contadas de outra forma senão falando do São Francisco. Sempre vivemos às margens do rio e dele tiramos nosso sustento, através da pesca e da água que alimenta nossas lavouras”.
Betânia Tuxá está entre os indígenas que até 1987 viviam na aldeia de Rodelas, município do norte da Bahia, na região do submédio São Francisco, e que sofreram com os impactos da construção da Barragem de Itaparica, projeto desenvolvido pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) nos anos 80. Com a notícia da inundação da aldeia pelas águas do rio transformado em lago, um grupo liderado pelo cacique Manoel Novais, contrariando pressões políticas de oligarquias locais, decidiu morar no oeste da Bahia e assim surgiu a aldeia de Ibotirama. “Hoje temos uma luta sólida, que busca a preservação do rio, a melhoria de todos os setores da comunidade e o fortalecimento dos nossos costumes e tradições. Nossa aldeia está aberta a quem queira conhecer o toré, o maracá e outros elementos da cultura indígena Tuxá”, disse Betânia.
Somando às apresentações artístico-culturais do evento, o artista plástico e carranqueiro, Ney Pinta Silva, levou algumas de suas telas e esculturas para exposição em praça pública: “sou ribeirinho nascido às margens do rio Paramirim e faço carrancas há mais de 20 anos. Hoje, vivo do meu trabalho como artista plástico e é gratificante participar de um movimento em defesa do São Francisco que leve no nome esse símbolo tão importante da cultura ribeirinha”.
O encerramento do evento aconteceu ao pôr do sol, com vista para a ponte do São Francisco, cartão postal de Ibotirama que é carinhosamente chamada pelos munícipes de “Capital Céu”. A poeta e atriz Crisna Imhof, que também trabalha na Secretaria Municipal de Educação, observou que a escassez hídrica está entre os temas mais relevantes e urgentes a serem debatidos pela sociedade: “sabemos que a escassez de água no mundo é uma questão a ser enfrentada no presente e no futuro e campanhas como esta, que destacam a importância do uso sustentável e múltiplo do rio, são fundamentais”. Crisna faz parte, ainda, do grupo de teatro Off Cena X, de Ibotirama, que na ocasião apresentou em praça pública uma peça com forte crítica social ao feminicídio.
O espetáculo “Carranca: da Proa do Barco para o Palco”, do ator e psicólogo Gilberto Morais, do grupo de teatro Mistura, fechou as atividades do dia apresentando Zé das Carrancas, personagem pitoresco que canta e declama versos e rimas sobre a magia das carrancas. Na saída, alguns participantes reverberaram o mote declamado durante todo o evento: “chegou a hora de beijar o rio, chegou a hora de beijar o rio…”.
Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Mariana Carvalho
*Fotos: Leonardo Ramos